terça-feira, 23 de outubro de 2012

Baladi - A dança do Cairo


Por Triana Ballesta

O que é uma dança baladi?




A dança baladi nada mais é do que a expressão em forma de musica e movimentos de um povo.
Quando usamos a expressão “baladi” estamos nos referindo a um termo referente à “terra natal”. Isso pode ser um país, uma região, uma cidade, um bairro, uma rua, enfim. É um termo muito amplo, porém, no Cairo, o termo é utilizado pela alta sociedade de forma perjorativa, se referindo ao “baladi” como caipiras, simplórios...
O motivo de “baladi” receber esse tipo de referência é o fato de se tratar de famílias que vieram de outras regiões interioranas do Egito e terem se instalado no Cairo a fim de melhorar suas vidas no comércio, produção, serviços, empregos, etc. São famílias que já se instalaram no Cairo a mais de 10 gerações e mesmo assim preservam com muito orgulho suas origens e sua cultura – relação direta com musica e dança. Portanto, estamos falando de pessoas simples, porém com valores sólidos ligados a sua identidade cultural.
Assim, falahis de várias regiões, saidis, e demais povos se encontraram numa mesma cidade, se tornaram vizinhos e começaram a compartilhar suas culturas, seus estilos de arte, musica, dança e assim nasceu a dança baladi!
O que é necessário saber?
A música baladi consiste numa improvisação musical e assim como a dança, ela não e coreografada. Por ser assim, dança APENAS 1 BAILARINA  por vez. Ou seja, não é uma dança feita para se dançar em grupo, nesse caso, a bailarina sola do início ao fim.
Toda a dança consiste em ser uma prolongação da própria música. Ou seja, a bailarina faz parte da formação instrumental da banda e seu papel é tornar a musica tridimensional aos espectadores. É a tradução de sons em movimentos da DANÇA EGIPCIA.
Uma moça baladi jamais vai usar uma roupa “sharqui” em publico, ela vai usar seu vestido “thoub” (galabeya), sua dança será o reflexo de sua feminilidade, graça, alegria e acima de tudo respeito as origens baladi de sua familia.
Como é uma musica baladi e como se dança?
Como nas demais danças egípcias, você deve dançar a musica de forma a ler com os movimentos do corpo cada nota musical. E a trama de uma música baladi se dá dessa forma:
AWWADY (se fala “AWEDY”):  Introdução da musica no taqsim. Ela acontece com o som de um único instrumento, pode ser um acordeon, oud, nay, ou até mesmo sax ou teclado.  Essa parte é semelhante ao “MAWWAL” (se fala “mawwel” – canto livre, não rítmico, dramático). A música se apresenta de maneira suave, desprenteciosa, nostálgico e sem o acompanhamento de ritmo algum ou um ritmo suave e lento como masmoud, wahda kebira.
Nesse momento a bailarina deve se mover conforme a música, acompanhando as notas mais longas com movimentos longos e movimentos, gestos suaves e postura respeitosa e aos poucos o ritmo maqsoum  começando a dar mais conforto aos olhos e ouvidos todos (músicos, bailarina e público) e se retoma a escala musical do inicio.
ME-ATTAA: Significa “quebrar em pequenos pedacinhos” da musica e do ritmo. Inicia-se um jogo de pergunta e resposta entre instrumentistas e percussionistas ou 2 instrumentistas ou 2 percussionistas, um a completar o outro em um jogo musical e a bailarina pode “se soltar” um pouco mais, e se mostrar mais feminina e autêntica.
O ritmo começa a acelerar e a personalidade da bailarina vai subindo à tona até o momento em que se inicia a 3 parte do baladi:
TET: Nessa parte os músicos retomam suas origens com som de folclore, interiorano, falahi (fazendeiros) . Os acentos estão em  2 e 4 e a bailarina começa a fazer o “básico egípcio”.

  4/4                       1   2   3            4                    |      1        2        3         4
                               tiit              toot                        Teet              Teit   

Por algum tempo permanece no TET ao som do mizmar até que retorna o ME-ATTAA breve para poder iniciar o ritmo Falahi (o falahi pode ser tocado no TET também). Nesse ponto pode-se usar a andada egípcia (andada com shimmie), pois eh típico falahi.
No final os músicos podem gentilmente voltarem ao caminho que percorreram até o Taqsim awwady e terminar ou acelerar até terminar em um solo de percussão.

Como traduzir a música?
A bailarina vai se movimentar conforme seus sentimentos, seu aprendizado físico e técnico que variam de pessoa para pessoa. Porém, sem jamais se esquecer de que faz parte de um grupo musical, seu trabalho é em conjunto com outros artistas a formar a obra final! Por isso cada gesto deve estar sendo movido pelo som que se ouve e imerso por sentimentos que ele desperta.
Esse conceito é chamado por E=E por Hossam Ramzy no qual o primeiro E significa “som” ou “musica” e o segundo E significa “movimento” e o símbolo de “=” deve ser entendido como igual em tamanho e intensidade. Ou seja, tamanho da nota musical curta ou longa e intensidade de som, quantos instrumentos estão a tocar e de que forma. A letra “E” pode ser substituída também por “M” (Musica e Movimento).
Concluímos que a bailarina nunca está fazendo um trabalho completamente solitário, uma vez que faz parte de um conjunto musical, por isso também não tem total liberdade de criação, assim como todos os outros músicos que devem tocar em harmonia uns com os outros.
Em musicas baladi encontramos instrumentos predominantes em sua composição, ou no taqsim, ou em todo o seu desenvolvimento. É importante reconhece-los, vivenciarmos e notarmos as diferenças entre um e outro para que possamos transmitir essas diferenças claramente e aguçarmos o nossa criatividade e sensações.  Alguns deles são:
NAY : Incluimos nay e kawala que fazem sons EXTREMAMENTE SUAVES, leves e fluidos e externos, com notas prolongadas ao mesmo tempo que a bailarina fará movimentos suaves e prolongados, como bambu ao vento nas margens do Nilo (material com que e feito o instrumento). Caso o som se fragmente o mesmo pode ser feito com shimmies delicados, apenas nesse caso.

Abaixo a Bailarina brasileira que hoje reside na Alemanha Karima Giz, na minha opinião uma das melhores tradutoras da nay que já vi.



Estou colocando outro vídeo da bailarina Mona El Said dançando um baladi, ela inicia no acordeon, porém, no meio do video ela traduz o som da nay, começando pelo ritmo e introduzindo aos poucos o som do instrumento que por sua vez é tocado com notas "quebradas" , vibrando. Obviamentem ela faz o mesmo vibra suavemente.






QANUM: As notas são agrupadas nos dando a sensação de vibração, portanto a bailarina pode representar esse som fazendo shimmies  fundindo com ondulatórios, lendo assim, a melodia que está sendo tocada. Nesse momento os braços podem permanecer na maioria das vezes próxima aos quadris dando ênfase aos pequenos tremidos que estarão sendo executados.

Abaixo uma performance magnifica da grande bailarina egipcia Lucy com a musica Lissa Faker (não se trata de uma musica baladi, mas coloco como referência de leitura da tradução do Qanum)


Não podia deixar de colocar a Soheir em toda sua fase madura demonstrando toda sua experiência e sabedoria ao traduzir esse Qanum




OUD: É importante diferenciar a leitura dos diferentes instrumentos de corda com shimmies de diferentes intensidades. O OUD, assim como o QANUM é um instrumento de notas agrupadas, mas seu som é diferente e pode lhe proporcionar diferentes sensações comparadas ao anterior. A bailarina pode fazer tremidos mais soltos a fazer parecer um som mais grave floreando com pequenas batidas e fundindo com movimentos sinuosos de quadril.

Abaixo a bailarina Munira Magharib dançando um clássico da musica egipcia, a musica Aziza de Mohamed Abdel Wahab. Ela dança com perfeição todos os solos de taqsim, e o primeiro é o Oud.




VIOLINO: O som pode varias do grave ao agudo, pode ser mais prolongado ou mais encurtado e sensual. É um instrumento com muitas possibilidades emotivas, variando do triste melancólico ao alegra e festivo. Podemos trabalhar a nossa agilidade corporal nos movimentos sinuosos com mais intensidade que o Nay e explorar intenções que podem partir do centro do corpo para fora (ex: quadris para os braços) ou de fora para o centro do corpo(braços para quadris).


Abaixo Serena Ramzy dando uma pequena amostra de violino que é o que eu mais gosto de -la traduzindo.


Agora a bailarina Aisha Almeé traduzindo um taqsim de violino divinamente!



ACORDEON: É um instrumento que abre muitas possibilidades sonoras e de movimentos, por consequência. Esse instrumento  foi incorporado a várias culturas no mundo todo, inclusive Egito (e Brasil) no folclore. Seu som é forte e assim como o violino pode ser alongado ou fracionado ou mais fracionado ainda. A bailarina pode manter os pés no chão por inteiro e dobrar os joelhos para que seu quadril trabalhe com tanta agilidade quanto a musica, responder as mudanças de tons e notas e se envolver por completo por suas vibrações.


Abaixo simplesmente Fifi Abdo dançando um baladi....covardia não é?!


Outro video (um dos meu preferidos), uma bailarina gold age Naima Akef. Traduzindo perfeitamente o acordeon, não apenas isso, ela ainda canta, interpreta, etc... 



*Indico a leitura do artigo “Zeinab” disponível em www.hossamramzy.com , no qual foi utilizado como principal referência para esse estudo.


Aqui, eu dançando um baladi ao som do sax ;) 


Apresentação em Curitiba - Memorial Largo da Ordem