terça-feira, 13 de março de 2012

O Harém




A imagem que temos sobre um harém é aquela no qual mulheres são amigas, vivem para se embelezar, dançar, tocar músicas e quem sabe ter a sorte de servir ao sultão nessa noite!

A única coisa que posso afirmar é que eu não sou uma odalisca, não quero fazer parte de um harém e não quero servir a sultão algum.

Claro, não posso comparar valores de uma época tão distantes de tempo, espaço, e cultura á nossa. Meu papel aqui não é o de recriminar o passado tendo como base os valores da nossa época e da nossa cultura. Tão pouco o de entrar em algum apanhado histórico e provar por A+B que os haréns eram “isso” ou “aquilo”. Mas o de justamente distanciar tais mundos, o suficiente para  conseguirmos enxergar a nossa verdadeira condição de ”bailarina”.

Refiro-me aos muitos haréns que ganham muito dinheiro, prestígio, sucesso, ás custas de suas odaliscas, escravas, presentes de guerra, mulheres inteligentes, mulheres cultas, mulheres ignorantes, mulheres simples, mulheres objetos.

O que é senão um harém, aquele restaurante de sua cidade que em uma única noite exibe de 6 a 10, 15 bailarinas que permanecem alegrando seus clientes com sua simpatia, beleza, sorriso e sua dança sensual por horas e horas noite adentro? São bailarinas (a princípio profissionais) que não tem contrato de serviço, não recebem cache justo, de acordo com o sindicato dos artistas (O que é isso? Pra que serve?), não dispõem de condições próprias de espaço, conforto, segurança...

Mulheres que dançavam para si mesmas passaram, por necessidade (seja ela qual for) a dançar para agradar aos outros. Mulheres, hoje, compram suas próprias correntes de ilusões e anseios entrelaçados como argolas de ferro que percorrem seu belo corpo consciente de que é capaz de envolver, fascinar e recolher o mais singelo olhar de admiração. Elas sabem que seus espíritos são livres e apostam em um futuro que em correntes não serão mais necessárias. Mulheres de todos os tempos, de todos os lugares. Mulheres de sempre?



Não podemos dizer que tudo é ilusão, que tudo é em vão. É um caminho. Talvez o único que há em nosso país, não sei, apenas gostaria de expor a minha opinião: Estamos fazendo isso do jeito errado.

Se o novo Harém é uma “vitrine”, não é difícil concluir que a bailarina é o próprio produto enquanto alguém está no caixa. Recebendo pelo que vende: Sonhos para quem consome e sonhos para quem produz.

Sinceramente, não vejo nada de errado em vender sonhos, produzir sonhos e sonhar.  Temos que sobreviver e temos que sonhar! Então sonhemos! Mas ressalvo que não vou me engajar num discurso utópico, no qual não existe nenhum valor capitalista envolvido. O que trato aqui é muito capital por sinal. É um “sonho real”, simples assim:

1.       Restaurantes não são vitrines, não sobrevivem com uma “ajuda de custo” e não servem o almoço como brinde para ver se agrada o paladar na tentativa de vender a janta. Restaurantes são empresas que contratam serviços e devem pagar por isso. Assim como são pagos pelo serviço que prestam.

2.       Bailarinas não são manequins de vitrine. São profissionais que prestam um serviço e devem receber por isso SEMPRE que o fizerem. E receber dignamente.

Espero viver para chegar um dia em que  bailarinas profissionais não se submetam mais ao papel de odaliscas e concubinas nos haréns do Brasil. Aguardo o dia em que tais haréns recebam sua primeira multa por inadequações trabalhistas. Enquanto isso vou descobrir o que é e para que serve o sindicato dos artistas.

terça-feira, 6 de março de 2012

É bonito dizer que estuda Nagwa Fouad



Já fiz alguns workshops e assisti shows por vários lugares do país com bailarinas muito conhecidas e reconhecidas pelo nosso pequenino mundo da Dança do Ventre no Brasil.

Não podemos esquecer que apesar de todo “glamour” que a fama na dança do ventre parece oferecer, não passa de uma ilusão! Pois ninguém mais, além das tietes bellydancers, sabem que “tal” diva exista e que o que ela faz é ARTE e que emociona, cativa, transcende.

Então, voltando aos workshops, nunca fui em um no qual não foi citado o nome de Nagwa Fouad (dentre outras bailarinas egípcias da era Gold), como uma das principais referências da Dança Egipcia, e é! No entanto, para o meu desgosto, não vejo sequer traços do que seria um movimento, uma sequencia, um “ar” da grande estrela durante as horas de aula.

Seu nome é citado em vão! No finalzinho da aula, como aquelas referências bibliográficas feitas para encher linguiça nos trabalhos de escola enquanto na verdade você apenas copiou o conteúdo do Wikipédia.
É para se pensar: Porque eu estudo as bailarinas egípcias antigas? Isso se realmente estuda e não fala apenas por falar. Vou citar apenas 2 objetivos:

1.        Porque considero importante compreender e não ficar na ignorância de não nunca saber sobre a história da dança do ventre como um todo. Aquela história: Conhecer o passado, para agir no presente e prever o futuro. Ou seja, apenas como um valor histórico (o que não é pouco).

2.       Porque as bailarinas da Gold Age realmente eram muito boas, verdadeiras estrelas. Elas sabiam dançar com maestria, técnicas apuradas de movimentos, leitura musical, interpretação, presença de palco, personalidade e por aí vai. Ou seja, tudo que uma bailarina sonha em ser com toda sua complexidade.
Bom, reconheço como a grande e maior parte das bailarinas da atualidade em todo mundo fazem parte desse primeiro grupo e sinceramente, não vejo motivos para dizerem que “estuda nagwa fouad”. Mais honesto seria dizer que estuda a história da dança do ventre e sua trajetória até os dias atuais. Pois dançar algo no qual não se encontra traços da estrela, não é estudar de fato a sua dança para que seja utilizada como referência e sim estudar sua biografia para fins de pesquisas.

Uma época conhecida como “dourada” não recebeu esse nome em vão, e para um maior entendimento disso é necessário conhecer os motivos que a gerou. Mas não é o meu objetivo entrar nesse apanhado histórico nesse momento.

Sabendo dos motivos, logo saberão a BASE do que veio a se tornar Raqs Shark e como se deu suas transformações até chegar a danças completamente modificadas e longe do que seria a dança das nossas grandes estrelas e referências da era gold.


Mas quero deixar muito claro que são apenas escolhas. Não há nada de errado em optar por estudar um grupo de bailarinas e não outras, pois, todas temos nossas preferências. Mas gostaria muito de que cada bailarina e professora olhassem com sinceridade para o seu trabalho e entendê-lo, reconhecê-lo, compreendê-lo para poder agir com mais clareza e objetividade em seus shows, aulas e workshops sem usar falsas referências.

Para mim, estudar Nagwa, ou qualquer outra bailarina, é ver muitas apresentações dela, repetidas vezes, capturar detalhes, capturar sua essência, estudar sua biografia, seu repertório, questionar “por que ela fez isso nesse momento da coreografia?” e colocar em prática tudo isso durante horas diárias de treinos em sala de aula na frente do espelho, sem o espelho, de ponta cabeça, ao avesso! Enfim.

Depois fazer exercícios de desconstrução, construção, adaptação, limpeza técnica, etc, saberá como é muito trabalhoso e difícil. Entenderá que sua reputação não é em vão e aprenderá a não subestimar o antigo em detrimento do moderno. E o mais importante: perceberá as diferenças claras entre dançar uma música e se tornar a música.

Antes que pensem que eu sou antiquada, pois não quero viver os “avanços” da dança do ventre “moderna” eu esclareço: É possível que bailarinas inovem, apurem, refinem a dança do ventre cada vez mais ao longo do tempo, sim. Cito o maior exemplo de todos que é a grande bailarina Serena Ramzy (ler artigo “Serenando” http://trianices.blogspot.com/2011/11/serenando.html). No entanto, sou contra a transformação a dança do ventre em outra modalidade irreconhecível.

Existem estrelas de ontem e de hoje, porém estão cada vez mais escassas graças a falta de referências verdadeiras ou a declaração de “quem são suas referências verdadeiras”.